segunda-feira, 14 de maio de 2007

Hunter Thompson está morto*

Hunter Thompson está morto. Beethoven também. Faz muito tempo, mas está. Não levantou. A última vez que nos falamos foi estranho. Eu não sei nada de alemão e ele era surdo, então ninguém entendeu um ovo. Mas ele me escreveu num bilhete: "Die idee ist gut, doch die Welt Noch nicht bereit", que quer dizer "o mundo não vai entender", ou algo parecido. Depois me dedicou uma sonata, pensando que eu fosse algum tipo de monarca, velho puxa-saco. Linda. Morreu. No enterro do Hunter Thompson devia ter um monte de órfãos reunidos, tomando absinto em homenagem ao criador do jornalismo Gonzo. Mas chega de falar em morte, a vida é mais enfadonha, como uma história contada duas vezes (sem querer ser metido à besta e citar Shakespeare, mas já o sendo).


Falando em metido à besta, gosto de pensar que o Sartre e a Simone de Beauvoir quando se conheceram devem ter sentido asco. O amor é repugnante. E depois vêm os Beach Boys cantando aquelas coisas maravilhosas... O Sartre vesgo e a Simone de Beauvoir lésbica e putona. Ficavam fumando na cama e conversando "a dialética em Heráclito", "onde será que eu pus aquela meia rasgada" etc. Passaram a vida inteira assim, entre o amor, o humanismo, o socialismo, as orgias. Transavam com todo mundo e, bom, a felicidade é sempre sã. Ótimo, do caralho, perfeito, mas que inferno, quem sabe qual o melhor jeito de se viver? A gente faz o que pode porque somos fracos. Eu tenho 22 anos e devia estar mais alcoolizado. E muito vivo. Nem sei cantar, eu só grito. Mas tenho que gritar mais alto, para que ouçam. Já venho.


Onde eu estava? No banheiro... Actinya bheda bheda tattva, actinya bheda bheda tattva, o que quer dizer mesmo? Os Hare Krishna ali da Rua Santa Terezinha é que são felizes com seus mantras, e isso não tem nada a ver com ser vagabundo, é desapego, imagino. Disso entendo um pouco. Acho que se o Beethoven vivesse hoje, iria tocar folk alternativo em Greenwich Village, cheirar pó até conseguir assoviar pelo nariz e seria metrossexual. Ele era um ser perturbado. Será que isso fez dele um gênio ou o contrário? Foda-se, o Chaves ainda é o melhor programa do mundo. Da fase antiga, que nem o Polegar. Todo fã da banda que se preze deveria ficar indignado ao ver os caras tocando sem seu mentor, Rafael Pilha. Se venderam! A gente envelhece e vai se degenerando, se acha muito esperto, mas na verdade nossa malandragem ficou pra trás, quando ir no supermercado com os colegas e trocar as etiquetas de preços das bolachas era mais divertido que conversar com as gurias.


Além de supermercados, eu também curtia roubar livros, metia embaixo da blusa e ia embora. O primeiro livro que eu roubei foi um sobre o David Bowie, daquela coleção "Fulano Por Ele Mesmo", mas eu não sou ladrão. Sabe como é, o Bowie exercia um poder de sedução muito grande sobre mim, mas eu não sou veado tampouco. É mais ou menos como o Lula fez de 89 pra cá. Você se corrompe e aí é tarde. Bom, eu não vou apagar isso. Quer dizer, ninguém se importaria muito, mas eu podia selecionar todo o texto e apertar "delete". Como o Hunter Thompson fez ao dar um tiro na testa. Poucas pessoas devem entender como isso é triste, e certamente eu sou um deles. Na sua carta de suicídio, escrita uns 4 dias antes com o título de "A temporada de futebol (americano) acabou", o escritor diz o seguinte:


"Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de passeios. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá."



Não sei se doeu pra ele, mas com certeza pra sua esposa sim (ele conversava com ela ao telefone no momento do disparo). Ninguém deve julgar ninguém, certo? Talvez, mas isso é exatamente o que fazemos a vida inteira. O John Lennon é quase-Deus, porém todo mundo sabe que ele descia o pau em mulher de vez em quando. Nem por isso pode-se dizer que ele não amava a Yoko. Se bem que ela merecia umas porradas pra parar de dar aqueles berros no meio das músicas. O que eu quero dizer é que pouco me importa a vida dessas pessoas, rockstars e pessoas públicas em geral. A cultura Pop é uma bosta, é fofoca para pré-adolescente, e todo mundo perde um tempão discutindo essas coisas. Sartre, Beethoven e Hunter Thompson podem ir pro inferno. "I don't believe in Beatles, I just believe in me", não é, John? Eu também. Eu vou rir depois. Preparar um café e ouvir Billy Bragg & Wilco tocando as músicas perdidas do Woody Guthrie, enquanto penso num jeito de me safar. Vou gritar mais alto, ou melhor, aprender a cantar. Ah, mas eu já sei.




*Texto publicado no extinto site "PoaRock", em 2005. Acho bacana porque eu realmente escrevi alcoolizado, tirando a revisão posterior.

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