domingo, 17 de junho de 2007

Um crime dissonante*


No dia 3 de fevereiro de 1984, aos 36 anos de idade, o cantor e compositor porto-alegrense Carlinhos Hartlieb fora encontrado morto dentro de sua própria casa, na Praia do Rosa, em Santa Catarina, localidade até então habitada por pescadores e pouco conhecida por pessoas que não fossem da região. Nu e tendo uma corda presa ao teto amarrada em seu pescoço, o corpo do cantor já estava em estado de decomposição, designando que desse jeito permanecia há, possivelmente, quatro ou cinco dias. Sem aguardar o resultado da necropsia e outras evidências, o delegado de polícia de Imbituba responsável pelas investigações, Haroldo Amorim Vicente, dá por encerrado o caso e define a causa oficial da morte: Suicídio. Assim os jornais Zero Hora e Correio do Povo do dia 5 de fevereiro relatavam para os gaúchos a morte de Carlinhos em suas edições com foto e matéria de capa.


Além de músico, Carlinhos era um agitador cultural incansável. Organizou os festivais “Rodas de som”, que aconteciam no Teatro de Arena, em Porto Alegre, ajudando a lançar muitos artistas iniciantes na década de 70, como Bebeto Alves, Nelson Coelho de Castro, Musical Saracura, entre outros. Se apresentou ao lado da famosa banda de rock Liverpool, tendo composto o maior sucesso do grupo, “Por favor, sucesso”, e participou do histórico disco “Paralelo 30”, que reunia a nata de um movimento recém criado no Estado: A MPG. Seu único trabalho próprio oficialmente lançado chama-se “Risco no céu”, e só chegou às lojas postumamente.


Hoje, vinte e três anos depois do acontecido, o que se sabe a respeito da morte de Carlinhos Hartlieb vai muito além daquilo que foi dito pela imprensa na ocasião. Falar em suicídio é quase o mesmo que tapar os olhos e ouvidos para tudo que já se desvendou acerca do assunto, e isso é admitido inclusive por profissionais que estavam ligados à cobertura do caso na época. "Ele foi assassinado", relatou recentemente o jornalista Wanderley Soares, ex-editor de polícia da Zero Hora. Dedé Ferlauto, repórter policial do jornal na época e amigo do cantor, fez questão de cobrir o caso pessoalmente. Foram publicadas três matérias. Nelas, levantaram-se algumas hipóteses além do suicídio. Conforme publicado na edição do dia 6 de fevereiro, tratando do sepultamento do músico em Porto Alegre, Carlinhos possivelmente não teria se matado: “Esta violência (o suicídio) não foi dele. Isso não foi bem contado”, afirmou uma das sessenta pessoas que estavam presentes no velório.


Juarez Fonseca, também jornalista da ZH em 1984, publicou um texto na contracapa do caderno “ZH Guia” prestando uma homenagem póstuma ao amigo. O conteúdo da coluna ainda era baseado na versão extra-oficial da polícia, apesar do próprio Juarez colocar em dúvida a natureza auto-destrutiva de Carlinhos: “Nunca o vi deprimido. E foram dezessete anos de convivência”. Em entrevista recente, Juarez levanta outra hipótese: “Não podemos nos esquecer que estávamos em plena ditadura militar e que Carlinhos poderia ser considerado um subversivo. Lembro que naquele tempo a polícia andava freqüentando constantemente as praias de Santa Catarina”.


No dia 7 de fevereiro, a Zero Hora publicou a última reportagem tentando dar uma explicação plausível ao que de fato ocorreu na Praia do Rosa. Após reafirmar que Carlinhos teria sido morto por asfixia decorrente de estrangulamento, conforme informou o delegado encarregado da investigação, o jornal fecha com uma informação que poderia mudar os rumos do que se sabia até então: “O resultado do auto da necropsia realizado no corpo do músico só será conhecido oficialmente nessa quarta-feira, dia 08/02”. Após isso, nada mais foi publicado a respeito. Procurados para a realização dessa reportagem, Wanderley Soares e Dedé Ferlauto não quiseram falar sobre o caso.


No livro “Carlinhos Hartlieb”, de Jimi Neto e Rossyr Berny, consta o resultado oficial do exame de corpo de delito: O corpo foi encontrado sem onze dentes e não apresentava fratura na coluna cervical – o que exclui a hipótese de estrangulamento. O próprio autor, em entrevista, compara a cena da morte a outro crime notório, ocorrido anos antes: “O Carlinhos estava com os joelhos encostados no chão e sem o pescoço quebrado, exatamente igual ao Wladimir Herzog. Ou seja, suicídio não foi mesmo”. Um dos depoimentos ouvidos conta que o suposto assassino de Carlinhos teria algum grau de parentesco com o delegado responsável pela investigação, o que fez com que tudo se resolvesse da maneira mais rápida e discreta possível. Como disse o cantor gaúcho Mutuca, primo-irmão do músico, “Ele foi morto e não temos prova de quem foi, só conjecturas. Uma linha de raciocínio clara foi estabelecida, apontando culpados, mas não podemos acusá-los”.


Muito já foi dito e pouco explicado. Além das possibilidades já levantadas, se cogita que a morte de Carlinhos também possa estar ligada a traficantes de drogas e a um marido enciumado. Rossyr Berny nos dá algumas pistas: “Nunca mais se mexeu no assunto porque ninguém quer arriscar o próprio pelego. Tem gente grande envolvida nisso, então o que nos resta é levantar hipóteses”.



*Texto feito em parceria com Térence Veras, para a cadeira de Projeto Experimental em Jornal, da Famecos-PUCRS.

terça-feira, 5 de junho de 2007

El concierto de los Rolling

Minha memória nunca foi muito boa. Esquecer nomes, rostos, datas e esse tipo de perspectivas mundanas é algo absolutamente comum para mim e, na verdade, não sei se tenho culpa, assim como os imbecis que persistem no erro de comportarem-se como melhores do que os outros (e quase nunca o são) também não têm. Aliás, creio que a inteligência e capacidade criativa sempre estiveram diretamente ligadas à simplicidade e ao bom humor. As pessoas mais inteligentes geralmente são as mais divertidas, enquanto as outras simplesmente não têm culpa de serem imbecis. Eu não tenho culpa se minha mente resolveu esconder um bocado de fatos ocorridos a partir do momento em que as luzes se apagaram no Estádio Monumental de Nuñez e, poucos segundos depois, Keith Richards surgiu na minha frente, mandando os primeiros acordes de “Jumpin’ Jack Flash”. Fiquei burro, pateta, adolescente histérico. Tensão, euforia e um leve desespero misturaram-se à garganta seca pela falta d’água em um peito desnudo, encharcado de suor. 60 mil pessoas me espremiam com todo seu calor e repulsa, eles queriam mais que o meu ar precioso. Vampiros sedentos era o que eu via, mas, “it’s alright now, in fact is a gas”. Eram os Stones, porra! Há meses eu imaginava como seria esse dia e, agora que se passou, lamento ter sido presenteado com uma memória tão desprovida de vitalidade, nada fotográfica eu diria. É como masturbação: Por mais que você tente, jamais conseguirá reproduzir mentalmente aquela transa histórica da maneira desejada. Alguns resquícios da noite em que Mick Jagger foi Mick Jagger há poucos metros dos meus olhos e dos dias próximos a ela ainda estão aqui guardados, e vou tentar reproduzi-los da maneira que quiserem vir. Vai ser uma visão um tanto perfurada em parcialidade, afinal, jogo no time daqueles que dariam a bunda pros caras caso gostasse da coisa. Eu disse “caso gostasse”. Enfim.


Caminando yo no puedo


A excursão que levou um bando de maníacos e alcoólatras para a Argentina no dia 19 de Fevereiro foi organizada pelo Cabelo, da banda Identidade, junto com a Operadora de Viagens Top Tufo, ou melhor, Top Tour. Não que eles tenham alguma culpa. Pedrão, o dono da bagaça, é um cara engraçadíssimo, lembra muito o falecido comediante do Saturday Night Live, Chris Farley, inclusive fisicamente. A dúvida que ficou no ar é se ele conseguiu finalmente descolar o famoso “aromatizador de ambiente” castelhano. O ônibus da trupe era bonito e tal, tinha dois andares, banheiro, TV, DVD, ar-condicionado, tudo certinho. Em cima ficavam os mais dorminhocos e, no andar de baixo, apelidado de “Dr. Jekyll”, o resto. Cada passageiro tinha direito ainda a uma parada na estrada para vomitar, direito esse exercido por alguns (não vou citar nomes) com enorme prazer. Comentário de um senhor de idade, morador de uma das cidadezinhas em que paramos, ao ver que alguém do ônibus filmava a bagunça na rua: "Tem que filmar o pessoal fumando maconha ali no bequinho. Onde já se viu"? Eu não vi nada. A viagem de ida, que tinha tudo para entrar nos anais da malha rodoviária sul-americana, acabou levando cerca de 30 horas, bem mais do que o previsto inicialmente. Ainda não se sabe se a culpa é de uma suposta divergência entre Argentina e Uruguai, que teria prejudicado o trajeto entre um país e outro, ou uma suposta bebedeira do motorista Sr. Wilson, como acreditam quase todos os integrantes da excursão. O importante é que a diversão não cessou por muito tempo, graças ainda mais a colaboração do Doce (ou Dulce, o líder), Ivens (Pica-pau Loco), Tessler (Thedy) e outras figuras, que traziam sempre um sorriso amigo no rosto e/ou um grito de guerra novo, mesmo que fosse às 3h da manhã. Fazer o quê? “Caminando yo no puedo”, pensava eu.


Quilmes, Raulzito y Pancho cucaracho

Sobre a cidade, bem, o que falar? Pra quem vive em Porto Alegre, Buenos Aires é a coisa mais próxima do paraíso. Tá certo, Cidreira fica ainda mais perto. É preciso de no mínimo uma semana para aproveitar e conhecer decentemente o lugar, pois, além de gigante, é lindo, barato, divertido e cheio de garotas atraentes. O hotel Embaixador foi o QG da maior parte do pessoal, assim como desse que vos escreve. Localizado numa das principais avenidas da cidade, a Corrientes, e próximo ao famoso monumento fálico (e suspeito), o Obelisco, ele foi palco também de um dos momentos chatos da viagem, quando a Lucia, uma das belas integrantes do grupo, teve sua mochila furtada logo na entrada. É isso que dá se meter num lugar cheio de argentinos. Alguns hippies que vendem bugigangas em frente ao hotel foram companheiros de trago e festa na madrugada, inclusive cedendo um violão para o Rubão (das bandas Drive e X Galinha) destilar, além do whisky, clássicos do Raulzito, Cascavelletes e, claro, Stones. Bebidas alcoólicas são proibidas de serem degustadas na rua após certo horário, mas o jeitinho brasileiro está no sangue. Caminhar bebum pela Avenida Corrientes às 3h da manhã é uma experiência das mais inigualáveis e um tanto quanto reveladora. Outro ponto alto da primeira noite em Buenos Aires foi o bar próximo ao hotel, onde se podia encontrar Quilmes e outras cervejas por um bom preço, Pancho (o cachorro quente dos hermanos) e a jukebox mais disputada da rua, que passava clipes numa tela gigante. Lugar sensacional. Quem não gostou muito da nossa presença no bar foi uma menina solitária, que deve ter se sentido deslocada com a quantidade de gritos proferidos a cada música dos Stones ou do Lennon que tocava. Sacanagem dela, eu juro que gritei quando a chica colocou no telão o clipe de “Total eclipse of the heart”, aquele clássico dos anos 80. A coitadinha quase chorou na mesa.


Tangos de Piazzolla

Ressaca, quarto de pernas pro ar, banheiro encharcado, barulho no corredor do hotel, eis o dia 21. O dia D. Segunda noite mal dormida, mas ali ninguém parecia se importar. Alguns conseguiram pegar o café-da-manhã, o que não foi meu caso. Após um “almoço de primeira” regado a Pancho e algum tipo de cerveja cucaracha, chega o momento tão esperado: O embarque para o Estádio. São 13h e alguma coisa, o ônibus parte mais uma vez através das gigantescas avenidas e prédios de Buenos Aires, em um clima tão boêmio quanto aqueles descritos nos versos do escritor Sam Shepard acerca de uma América fodida e ainda assim poética. O lugar é longínquo, mas a vista é deslumbrante. A Argentina é um país que, assim como o Brasil, teria tudo para proporcionar o melhor a seus habitantes não fosse nosso passado latino-americano. Chegamos ao nosso destino, mas nem tudo são flores. Tangos do Piazzolla condizem melhor com a situação. Maratona pior do que encontrar a fila de entrada pro show deve ter sido aquela nas Olimpíadas de 2004, em que o irlandês filho-da-puta segurou o pobre corredor brasileiro há poucas reboladas do fim. Guardas argentinos também filhos-da-puta nos enrolavam como pais costumam fazer às crianças em shopping centers. Duas horas de caminhada, uma volta inteira no Estádio do River Plate, diversos perdidos pelo caminho e, finalmente, estamos na fila. Os argentinos são todos loucos, todos. E o pior: Todos eles usam mullets. É incrível e contagiante a animação dos caras, porém o mais engraçado foi a faixa que comprei por 5 pesos antes de me misturar à multidão na entrada. Ela continha os dizeres “Rolling Stone”, escrito com aquela régua que se usava no primeiro grau para escrever nas cartolinas. Mas e o “S”, onde está o “S” de “Rolling Stones”? "Pois é, faltou", explica-me a moça que o vendeu, sem saber bem que porra isso importa. Sem contar o investimento de 10 pesos em um boné com a língua dos Stones que, minutos depois, veio a descolar. Devia ter deixado pra fazer compras no Paraguai.


Ohh, vamos los Stones, vamos los Stones!!!”

Ainda estamos na fila, boa parte da galera do ônibus e muchachos muy locos. Uma foto nossa fora publicada no dia seguinte no jornal “La Nación”, os primeiros a chegar (vide a setinha vermelha na foto abaixo). Aos gritos de “Abre la puerta, la puta que lo pario!” e “Ohh, vamos los Stones, vamos los Stones!”, espécie de hino futebolístico que eles tanto gostam, a coisa vai esquentando ainda mais. São quase 17h quando finalmente abrem-se os portões, e a loucura extravasa. Alguns poucos metros de corrida nos transportam ao apogeu de todo roqueiro. Finalmente, estamos todos diante do gramado coberto que vai dar no palco principal. Impossível conter os berros. Minha mentalidade musical e infantil relembra “Rebellion (Lies)”, do Arcade Fire, enquanto loucas e felizes criaturas se dão conta de que não há praticamente nada nem ninguém que os separe da primeira fileira. A primeira fileira do show dos Stones. “Corre, seu bosta”, resmunga a voz dentro da minha cabeça já perturbada. Ok. “Aqui estou eu, sentado diante do palco, tomando um copo de água gelada, boquiaberto como meus amigos todos.” Mal sabia que as coisas não seriam assim tão tranqüilas pelas próximas horas. Logo entra a primeira banda de abertura, “La 25”. TNT fase cabeludos, mas piorado. Vem a seguinte, “Las Pelotas”. Cocô com mullets. A coisa começa a encher, o saco e o estádio. Diversão apenas quando o segurança joga suas garrafas cheias d’água, para delírio do público. Teve uma de dois litros que caiu bem na minha mão. Meu Deus, foi o banho mais agradável que já tomei na minha vida. E quando o crepúsculo começa a surgir em Buenos Aires, entra no palco um sujeito vestido à lá Bono Vox, com um capuz e pose de star. Eles parecem muito conhecidos por lá. Ainda faltam cerca de duas horas para o show dos Stones, mas a situação se torna assustadora para um asmático acompanhado de uma garota. Socos, empurrões, roda punk gigante. Misfits, Dead Kennedys? Poderia ser. Eram “Los Piojos”, e o inferno estava montado.


Olê, olê, olê, olá... Richards, Richards”

Comentar a apresentação dos Rolling Stones quase um mês depois é tarefa complicada, mesmo tendo sido o show de uma vida toda. Eu fico pensando nas pessoas que reclamam porque eles só tocam os clássicos, dizem que estão decrépitos, blá blá blá. Vão tomar no cu. Quem viu o show deles no “Hyde Park” em 1969, dias após a morte do Brian Jones, ou até mesmo no especial “Rock n’ roll Circus”, com uma guitarra a menos, sabe que a banda é capaz de muito mais que aquilo. E foi o que aconteceu nessa turnê, como eu pude ver pela tv dias antes, em Copacabana. Pra chorar de alegria. O repertório dos dois shows foi semelhante, mas na no seu primeiro dia na Argentina, eles tocaram músicas um tanto obscuras para a maioria, como “Midnight Rambler”, “Shattered” e “Worried About You”, em versões arrasadoras. Se “Wild Horses” ficou de fora, mesmo tendo sido ovacionada no Rio, “Paint It Black” serviu como uma recompensa semi-orgástica. Ser humano algum conseguiu ficar parado assim que entrou a bateria, o Monumental veio abaixo, quase literalmente. Antes de continuar, é importante ressaltar que mais de 3 mil pessoas invadiram o estádio sem ingresso, causando um tumulto absurdo. Eu me encontrava próximo ao palco B quando enxerguei um arrastão de “Batistutas” atropelarem quem estivesse pela frente, segurando uma bandeira gigante e cantando algum hino sem nexo, lógico. Com certeza Copacabana deve ter sido muito mais tranqüila nesse sentido, apesar de tudo. Dane-se. Ainda no início, após apresentar a banda toda, Jagger vai tomar uma Coca Light e deixa a multidão nas mãos de Keith Richards, o cara mais afudê da história do rock. “Olê, olê, olê, olá... Richards, Richards”, ovaciona a multidão. Meio sem jeito pela homenagem, o guitarrista põe as mãos sobre o rosto, olha pro lado e sorri, contente como uma criança (junkie). Com um violão elétrico em punho, anuncia a próxima canção: “This place WOULD BE empty without you”. Voz rouca de bebum, parecia o Dylan. Até uma pedra teria se emocionado e, depois de rasgar nossos corações em pedaços, Keith ainda traz a redenção: “Happy”. Puta madre.


Cueca-Cuela

Muitos foram os pontos altos da apresentação portenha, obviamente: A versão stoneana para o clássico “The Night Time (Is The Right Time)”, do Ray Charles, foi simplesmente perfeita, com destaque para a backing vocal (2 metros de pernas) Lisa Fischer. Na humilde opinião desse que vos escreve, outra maestria da noite foi a música “Tumbling Dice”, uma das minhas prediletas. Ouvir ao vivo essa pérola do cancioneiro mundial arrematou de vez qualquer espasmo de incredibilidade. Não recordo com precisão a ordem do set list, mas com certeza as principais euforias foram causadas por “Honk Tonky Women”, “Start Me Up”, “Sympathy For The Devil” e “Satisfaction”, que fechou a noite tendo o riff de guitarra cantarolado por todo o público, mesmo após a saída da banda. Muita coisa boa ficou de fora, e seria totalmente impossível satisfazer aos fanáticos mais exigentes. Agora, qual fã dos Stones consegue não cantar junto o refrão “I said yeah, yeah, yeah, uhhhhh”, de “Brown Sugar”? Até o Bush cantaria se estivesse lá. Entre as canções do novo disco, a que mais empolgou foi “Rough Justice”, executada pela banda no palco B (no meio do show, um palco menor se deslocava por uma passarela até o centro do gramado, bem próximo da multidão). Particularmente, essa parte deve ter sido a mais marcante de toda a viagem: Visualizar com clareza a expressão braba e velha no rosto do Mick Jagger, devolvendo para o público as camisetas que lhe eram jogadas enquanto cantava “Is rough justice on ya”. Então eu olhava para o lado e lá estava o Keith Richards, com a camisa aberta e sua guitarra pendendo, levantando a perninha feito um cão sarnento. Tudo isso ali, na minha cara. Horas e horas de cansaço e o calor infernal de Buenos Aires não me importavam, mas tudo que meu corpo pedia nesse instante era alguma substância líquida muito gelada. Infelizmente, não havia mais água para vender (!), só na pia do banheiro. Coca-cola e dois picolés de frutas foram o que me manteve de pé até o final do show.

Após dormir por quase toda a viagem de volta, graças a um calmante misturado com whisky, e já em Porto Alegre, meu avô me pergunta, depois de ouvir alguns desses relatos: "Mas tudo isso só pra ver uns cabeludos"? Sim, vô. São os Stones.